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A BELEZA SALVARÁ O MUNDO!

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A Cordilheira do Atlas nasce da colisão entre os continentes africano e americano,  há milhões de anos atrás, e corta o Marrocos de nordeste a sudoeste. As montanhas separam as margens do mar Mediterrâneo e do oceano Atlântico do deserto do Saara.

A cordilheira guarda a dramaticidade da sua gênese na paisagem. A porção superior dos maciços condensa neve no inverno, enquanto o resto das encostas mantém-se sem cobertura vegetal até alcançar os planaltos – onde a agricultura é praticada em pequenos terraços – e, finalmente, decompõe-se na areia do deserto.

O povo berbere que habita as montanhas mimetiza as suas construções com as paisagem – ergue  casas com as pedras que se desprendem das encostas e o pisé, argamassa feita dos sedimentos e da terra. Os animais de criação e os nativos assumem na pele do corpo a cor do Atlas.

Em contraposição, o interior da moradia berbere – a tapeçaria, as louças e a vestimenta – parece constituir verdadeiro  templo dedicado às cores da natureza. O que faz o homem inserido em uma paisagem profundamente monocromática desenvolver um vestuário e adornos tão coloridos para si? O que o leva a desejar a intensidade das cores que ele observa distribuídas pela vastidão das montanhas e planaltos do Atlas? O que senão o senso artístico inerente à sua natureza e a busca incessante pelo belo, alimento maior da alma humana?

“A beleza salvará o mundo”, dizia Fiódor Dostoiévski. Não restam dúvidas!

O VIVER PRIMITIVO DA MEDINA DE FEZ

A antiga Medina de Fez conserva presente a Idade Média não apenas na arquitetura das construções e no traçado caótico 1Imagem_BlogKatia1de suas vielas e ruas estreitas. Aqui, o homem conserva, ele mesmo, a alma medieval. Os serviços e os meios de produção ignoram os chamamentos da modernidade no interior das muralhas de pisé, a taipa marroquina que cerca a cidade velha.

Há uma estranha beleza no viver primitivo; ele nos aproxima da origem da civilização humana. O homem observando os fenômenos do céu e da terra, o homem extrativista, o homem transformador do meio com as próprias mãos e inteligência.

O tratamento do couro cru e o tingimento das peles no curtume Chouwara, na área central da Medina, acontece passo a passo diante dos nossos olhos, segundo uma tradição de mais de oito séculos.

As peles secam ao sol penduradas nas fachadas das construções, esticadas em telhados e terraços – tingem a cidade com um colorido primitivo e inusitado.
O homem trabalha o couro dos animais com o próprio corpo: mergulha as pernas e os braços nos tanques, em movimentos ritmados. Carrega grandes fardos de  peles molhadas sobre os ombros em uma linha de produção caótica. Um cheiro pertubador domina a atmosfera do curtume.

Não é o cheiro da decomposição das entranhas dos animais abatidos ou da amônia que impressiona nossos sentidos no curtume de Chouwara. O que fica estagnado no tempo, apodrece.

 

CHARME E INTIMIDADE NO BOULEVARD MOHAMED V

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Encontrei a Casablanca do meu imaginário ao entardecer do último dia na cidade. As fachadas art decô brancas – alinhadas em ambos os lados do Boulevard Mohamed V – formam charmosas arcadas voltadas para o movimento do boulevard.  Os automóveis já não circulam pela avenida. Um metrô de superfície de última geração transporta, em vagões futuristas, um povo com vestimentas e comportamento fortemente tradicional.

 Ao anoitecer a atmosfera masculina de tabaco e chá marroquino se acentua e os cafés ao longo das arcadas reúnem os homens da cidade.  Com o metrô, a urbanização trouxe lindos banquinhos franceses de ferro oxidado sob cada um dos arcos. Os banquinhos franceses oferecem as cenas de maior intimidade que presenciei na cidade. Com apenas um metro de largura, esses bancos são ocupados somente por duas pessoas –  os joelhos, amigos, tocam-se; os rostos se aproximam e olhares enamorados finalmente são revelados.

 RESERVA E TRADIÇÃO NAS RUAS DA VELHA MEDINA DE CASABLANCA

ComercioIMG_9194_V1LMuitos são os estágios da evolução humana em um mesmo tempo histórico. A vida no interior da velha Medina de Casablanca conserva-se reservada e medieval. Os véus e as túnicas  silenciam as pessoas –  homens e mulheres. O comércio se alastra ao longo de um labirinto de vielas estreitas, rente ao chão, e se expande precário em tapetes e esteiras, sempre que o traçado caótico das ruas se configura em um largo ou uma praça. Negocia-se tudo: o velho, o quebrado e, aos nossos olhos, o que já não tem sentido. A vida parece reciclar-se sem a necessária renovação.

As moradias possuem portas e janelas voltadas para as inúmeras ruelas laterais, ainda mais estreitas – um labirinto secundário, inacessível aos estrangeiros.
As galinhas chegam amontoadas em gaiolas para serem abatidas na frente do comprador. Os pescados chegam em carriolas de mão… direto do mar. As oficinas ocupam as calçadas e o trabalho de tecer, forjar e reparar acontece diante dos nossos olhos. Aprende-se o ofício da sobrevivência nas ruas da velha Medina.

O ECO ECOMÊNICO DE SARAJEVO

Cercada por montanhas, a cidade de Sarajevo ocupa o vale do Rio Miljacka, no centro-oeste da Bósnia-Herzegovina. A cidade se espalha pelas encostas em construções semelhantes e discretamente coloridas – talvez herança dos 46 anos do regime comunista do presidente Tito.

Do alto das colinas a vista da cidade é inesquecível. Surpreendentemente belo é o eco ecumênico de Sarajevo – dezenas de minaretes e torres compartilham o mesmo céu. Ouve-se, simultaneamente, o chamamento à prece islâmica pela voz humana e a convocação dos sinos à celebração dos mistérios das igrejas cristãs e ortodoxas. Em uma mesma quadra convivem igrejas, mesquitas e sinagogas.

Respira-se uma trégua étnico-religiosa em Sarajevo, meus queridos.

PLENITUDE

A beleza e grandiosidade do Vaticano impressionam, tanto ou mais que a Igreja Católica. A despeito de tantos estímulos visuais e sensoriais, foi uma pequena escultura no Museu do Vaticano – com cerca de um palmo de extensão – que enterneceu o meu coração e despertou a intuição da plenitude da fé cristã.

ROMA, PROFUNDAMENTE AZUL

Dias de frio e céu profundamente azul. Glórias e religiosidade no céu de Roma. Anjos vitoriosos guardam as cabeceiras das pontes que cruzam o Rio Tibre, Fiume Tevere, no centro de Roma.

Dias de frio e céu profundamente azul. Glórias e religiosidade no céu de Roma. Anjos vitoriosos guardam as cabeceiras das pontes que cruzam o Rio Tibre, Fiume Tevere, no centro de Roma.

Quando anoitece, as esquinas são povoadas por fogareiros à lenha…um aroma de castanha assada aquece a cidade.


SETE DONS

Três candelabros à direita e três à esquerda do crucifixo central iluminam o altar da Basílica de São Pedro sob o domo de Michelangelo. Sete eixos de luz, meus queridos, velam pelo resgate da integridade das almas humanas. Foi Deus que ordenou a Moisés que fizesse um candelabro de sete braços, assim como sete são os dons do Espírito Santo… dons capazes de inspirar a humanidade rumo à eternidade.

OS CICLOS DOS MISTÉRIOS

Sinto que o mundo espiritual também se manifesta em ciclos – uma pulsação contínua que ciclicamente amplifica sua intensidade. A época do Natal é uma delas. Seja porque cremos e sentimos o sagrado no nosso interior; seja porque muitos creem e a energia do entorno é tomada pela fé…

Percebo como uma lua cheia de beleza e generosidade raras, que ascende e ilumina o céu de modo excepcional uma única vez ao ano. Uma luz que torna possível a crença na existência dos mistérios. Uma luz que enternece definitivamente os corações.
Sinto a irmandade entre os seres de natureza humana; entre os seres de todas as naturezas. Sinto a suavidade dos gestos aflorarem. Os sorrisos se tornarem mais doces, as almas mais condescendentes.

Que em 2012 façamos raro, o comum! Não por dissimular a realidade, mas pela acuidade do olhar que ignora os filtros de superfície e só se aquieta na essência.

E na essência, meus queridos, todos somos raros.

Katia Rodrigues de Almeida Secches  

VIVÊNCIAS . OS ARQUÉTIPOS DA ALMA HUMANA

Jardim do Paraíso - (1410-1420) técnica mista em madeira, (26.3 x 33.4)cm Städel Museum, Frankfurt

Entre os espaços sagrados, o inferno e o paraíso são os arquétipos mais presentes na alma humana. O jardim sempre foi associado ao paraíso. Em termos bíblicos, o paraíso é o primeiro jardim do homem. Lugar onde natureza e o ser humano se reconhecem.

A natureza se mostra gentil e generosa, a intervenção do homem bela e sábia. Imagens do jardim do paraíso nos são reveladas de modo magnífico através das obras dos pintores de paisagem. As diferentes feições que o jardim do paraíso assume ao longo da história revelam a transformação da alma humana.

Os arquétipos são atemporais, a alma humana, contudo, se molda à sua época.

Os manuscritos iluministas da idade média revelam as primeiras cenas idealizadas do paraíso. São imagens ricas em simbolismos, destinadas a inspirar devoção e fé.

Esse pequeno painel de madeira foi pintado por um artista alemão conhecido apenas como Upper Rhenish Master (Mestre do Alto Reno) provavelmente entre 1410 e 1420.

O jardim do paraíso na idade média é atemporal, todas as espécies vegetais florescem e frutificam ao mesmo tempo. Separado por muros da maldade do mundo, ali habitam serenamente a Virgem Maria, o menino Jesus, anjos e santos. O Arcanjo Micael traz o demônio submisso, acorrentado aos seus pés. São Jorge aparece sentado ao lado de um dragão humilhado e inofensivo, domesticado como um cão. O mal não é extinto do paraíso, mas subjugado ao poder divino.